Nosso povo, diferentemente dos americanos, não se identifica com a inconcebível abstração que é o Estado. O Estado é impessoal: nós só concebemos relações pessoais. Por isso, para nós, roubar dinheiro público não é crime. Somo indivíduos, não cidadãos. Os filmes de Hollywood repetidamente narram o caso de um homem (geralmente um jornalista) que procura a amizade de um criminoso para depois entregá-lo à polícia: nós, que temos paixão da amizade, sentimos que esse "herói" dos filmes americanos é um incompreensível canalha.
As palavras que acabei de pronunciar podem parecer referir-se a nós, brasileiros. E não tenho dúvida de que, se dita hoje por um brasileiro diante de brasileiros, podem causar certo mal-estar, a despeito da encantadora elegância com que estão dispostas. Na verdade, são palavras de uma argumentação sobre o caráter argentino a que Jorge Luis Borges recorreu mais de uma vez, com a ressalva: " Comprovo um fato, não justifico ou desculpo". Se decidi abrir esta conversa repetindo aquelas palavras de Borges, não foi para criar na sala esse mal-estar. Se o fiz, foi para ressaltar o risco que todos corremos - todos nós que falamos em nome de países perdedores da História - de tomar mazelas decorrentes de subdesenvolvimento por virtudes de nossas nacionalidades.
De fato, se olharmos tal texto de uma perspectiva brasileira hoje, na mesma medida em que nos identificamos com o retrato que ele nos oferece, repudiamos o conjunto que ali nos é apresentado e, sobretudo, as observações específicas de que não somos cidadãos e de que, em nosso íntimo, roubar dinheiros públicos não constitui crime. O que nos parece sinistro é o fato de vermos a nossa incapacidade para a cidadania guindada à condição de contrapartida de uma bela vocação individualista, de uma quase nobre rejeição dessa "inconcebível abstração" que é o Estado.
(Adaptado de Caetano Veloso "Diferentemente dos americanos do Norte".
O mundo não é chato. São Paulo: Cia. das Letras, 2005. p.42-43)
Eu fico cansado de ver a maldade no meio da rua.
Aqueles que ganham a vida daqueles que perdem as suas.
É gente que quer o mal pra gente que faz o bem.
É gente de dignidade que vive com medo de quem não tem.
Diziam que eram coitados, amordaçados pela censura.
Agora, desfilam nas bancas e imprimem a própria ditadur.a
Pobre de ti, Betsaida!
Ai de ti Corazim!
Dessa nossa garganta, virá o juízo do teu fim.
(Banda Resgate - "A hora do Brasil")
A nossa sociedade se tornou uma Gadara da época de Cristo.
Essa música combina com o texto e nos faz refletir também.
Bem argumentado, Ricardo. É isso tudo aí, mesmo. Feliz 2013
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